‘Number of the Beast’, o álbum que colocou o Iron Maiden no topo, faz 40 anos

O punk afrontava, e o heavy metal assustava. A primeira metade dos anos 80 não foi uma época fácil para ser um pai/mãe conservador, católico e “cidadão de bem”. O comunismo era mais “ameaçador” do que nunca e, com a ditadura militar apodrecida e acabando, o mundo se tornava cada vez mais perigoso para os “filhos da civilização”.

E então o “demônio entrou nas casas das famílias da classe média e dos operários oprimidos e desejosos por uma “revolução”. E que coisa melhor do que ouvir, altíssimo, uma música que falava da chegada do “diabo” de uma forma explícita e afrontadora?

“The Number of the Beast”, lançado há 40 anos, foi o primeiro disco do Iron Maiden a chegar ao Brasil, em versão nacional. Era o terceiro da banda inglesa, a principal do movimento conhecido por NWOBHM (New Wave of British heavy Metal), a nova onda do metal britânico, que arrebatou o público europeu com a entrada do novo vocalista, Bruce Dickinson, e logo conquistaria a América.

A faixa-título, que simbolizava o LP e assustava os pais e professores deste país infeliz esquecido por deus, era aterrorizante, começando com a narração de um trecho do “Livro da Revelação”, feita pelo ator Barry Clayton como se fosse o próprio demônio.

Os brasileiros nunca tinham escutado algo tão agressivo, pesado e afrontador, e jamais poderiam imagina que alguém, no mundo, ousaria levar aos discos temas religiosos e com alusão ao demônio e ao inferno – e por muito tempo o Iron Maiden se tornou uma banda satanista no Brasil.

Tudo era novo e diferente no Iron Maiden, o que causava certo pânico entre os conservadores pais de adolescentes sedentos de sangue. Para os lojistas, as preocupações eram outras: como expor e propagandear um produto com capa com um monstro agressivo e que afugentava as pessoas mais “sensíveis”?

Para a maioria das pessoas que gostavam de rock e conheciam um pouco de música, o heavy metal era o novo punk rock, só que mais agressivo, mais intenso e mais articulado, embora menos ambicioso. 

Se o punk se autoconsumiu, como era esperado, o metal tinha outros objetivos: entranhar-se nas mentes dos jovens e sobreviver, como se fosse um vírus letal que se disseminava de forma lenta, mas contundente. Não queria somente o coração e as mentes: ambicionava o corpo todo, mas sem pressa.

Não foram poucos os teóricos que identificavam no heavy metal o perigo de “alienação e subversão” permanentes que supostamente caracterizariam o punk rock. 

A efervescência incandescente do punk era um fim em si mesmas, enquanto que o metal tinha todas as características para fincar raízes e permanecer. Tinha mais conteúdo, resistência e resiliência, além de uma variedade de argumentos e teóricos e estéticos para oferecer alternativas, ainda que frágeis.

A capa de “The Number of the Beast” oferecia tudo isso, completada por um conteúdo que pirava os não iniciados. Peso e agressividade nas doses certas, chutando o balde e as caras de quem achava que música deveria apenar entreter, e não pregar, esclarecer, agredir, ensinar a pensar ou, simplesmente, informar de uma outra maneira.

Para o mundo conservador brasileiro, “The Number of the Beast” abria as portas do inferno quase ao mesmo tempo em que o Kiss anunciava a sua primeira passagem elo Brasil – e trazendo a sua fama de banda satanista (???????). Quem não se lembra da “sigla” K.I.S.S. (Kid in Satan’s Service, ou Crianças a Serviço de Satã)?

A chegada do Iron Maiden trouxe outro mundo para as terras tropicais ainda acostumadas com Black Sabbath, Deep Purple e Led Zeppelin como “rock pauleira”, e tentando assimilar o Van Halen como “rock pesado” moderno da época.

São 40 anos de um disco que realmente mudou a percepção dos ouvintes de como fazer música agressiva, com conteúdo contundente e com mensagem política mesmo com temas que recorriam a metáforas e analogias. 

E então o Brasil passaria a enxergar o rock com outros olhos e de várias maneiras, e quase sempre de maneiras tortas e enviesadas – em grande parte graças ao Iron Maiden e seu terceiro disco, que foi o primeiro lançamento da banda por aqui.

Estouro mundial e de vendas em muitos países, teve bom desempenho no Brasil, inaugurando uma certa febre por rock pesado na época. A EMI brasileira, inicialmente relutante, acatou as sugestões de vários fãs da banda e conhecedores do mercado para desaguar os trabalhos da banda por aqui – e não se arrependeu.

Além da icônica faixa-título, o disco traz temas como “Run to the Hills”, pesadíssimo e veloz, aquele que seria o primeiro speed metal da história; “Hallowed By Thy Name”, um épico longo e progressivo que tem como base “Stairway to Heaven” em sua estrutura – balada lenta que deságua em um potente rock pesado e rápido; o hard rock perfeito e suingado de “The Prisoner”, inspirada em um seriado britânico; a dramática “Children of the Damned”, que guarda algumas semelhanças com a balada pesada “Children of the Sea”, do Black Sabbath; e a aterrorizante “22 Acacia Avenue”, um verdadeiro conto de terror.

Álbum que frequenta as listas de melhores de todos tempos, tanto no geral como no heavy metal, “The Number of the Beast” é um marco na história do rock por levar a música pesada mais agressiva ao topo das paradas musicais, além de ser uma verdadeira obra-prima, por mais que a banda tenha se superado, por pouco, nos dois discos seguintes -“Piece of Mind” (1983) e “Powerslave” (1984).

* Cortesia do site Combate Rock – www.combaterock.com.br

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